Certa vez ouvi que didática é uma demonstração de generosidade, portanto, pretendo ser o mais generoso possível nas palavras a seguir.
Aceitei o convite para escrever um pouco sobre Open Banking. Penso que estou em uma posição privilegiada, pois fui um dos representantes do Santander e da Febraban nos grupos de trabalho que estão discutindo e definindo os padrões do Open Banking junto ao Banco Central do Brasil e demais associações e instituições do mercado financeiro. De fato é um privilégio e também uma honra.
Vamos lá!
O que é o Open Banking?
O Open Banking faz parte da agenda BC# do Banco Central (https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/bchashtag), mais especificamente da dimensão de Competitividade, que tem como objetivo a precificação adequada dos serviços financeiros no Brasil por meio de instrumentos de acesso competitivo aos mercados.
O Open Banking nada mais é do que uma solução que permite o compartilhamento de dados e serviços financeiros, de forma padronizada. Vale mencionar que todo e qualquer compartilhamento de dados dentro do Open Banking respeita a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
No centro do Open Banking está você. Sim, você. O cliente. Que já contratou ou irá contratar um serviço financeiro.
Saiba ainda que o Open Banking deixa você sempre no comando. Ou seja, nada vai acontecer sem que você permita (dê o seu consentimento e autorize). No Open Banking, você é o foco. Este é um dos maiores desafios para a forma tradicional de pensar a lógica de propriedade dos dados. De acordo com os princípios do Open Banking, os dados do cliente são exatamente isso, do cliente. Os dados de cadastro e o histórico sobre produtos e serviços contratados pertencem ao cliente e é ele quem decide se irá compartilhar ou não com outras instituições.
Uma das grandes vantagens que o Open Banking traz é um formato padronizado para o compartilhamento de dados. Todas instituições devem compartilhar seus dados respeitando o padrão do Open Banking e isso traz um ganho de produtividade e velocidade imenso. Sem isso, cada instituição teria que descobrir, compreender e se adaptar ao formato específico de cada instituição participante do ecossistema. Estamos falando de mais de 500 instituições, cada uma com seu próprio formato de dados, específico, construído ao longo de sua existência. Sem um padrão, um denominador comum, essa integração e troca de dados seria um trabalho absolutamente inviável. Realmente era preciso a autoridade do órgão regulador para estabelecer um padrão e obrigar todas as instituições a adotá-lo.
Quem são os participantes?
Os clientes: Pessoas físicas e jurídicas.
Compartilhamento de dados: As instituições financeiras dos segmentos S1 (Santander, Banco do Brasil, Bradesco, BTG Pactual, Caixa e Itaú) e S2 (Banrisul, BNDES, Banco do Nordeste, Banco Votorantim, Citibank, Credit Suisse e Safra) são obrigadas a participar. Todas as demais instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central podem participar de forma facultativa, desde que observem o princípio da reciprocidade, ou seja, para consumir os dados de outras instituições devem também compartilhar seus dados.
Compartilhamento de serviços: Para iniciação de transação de pagamento, a participação é obrigatória para as instituições detentoras de conta e instituições iniciadoras de transação de pagamento. Para encaminhamento de proposta de crédito, a participação é obrigatória para as instituições com contrato firmado de correspondente no país, cujo objeto contemple recepção e encaminhamento de propostas de operações de crédito e de arrendamento mercantil.
Quando vai acontecer?
O cronograma das fases iniciais foi divulgado pelo Banco Central em 4 de maio de 2020, através da Resolução Conjunta nº 1. O cronograma foi dividido em quatro fases, iniciando em 1º de fevereiro deste ano (2021) e terminando em 15 de outubro de 2021.
É interessante notar que à medida em que as fases avançam, avança também o nível de abertura do ecossistema.
Fase 1
A fase 1, apelidada de Open Data (ou dados abertos) teve início em 1º de fevereiro deste ano (2021) e prevê o compartilhamento dos dados das próprias instituições financeiras.
Nesta fase as instituições financeiras devem oferecer acesso público aos seus dados de seus canais de atendimento (locais físicos e virtuais) e de seus produtos e serviços (incluindo as taxas e tarifas praticadas em cada produto e serviço).
Logo de cara, com a fase 1, poderemos comparar a oferta de produtos e serviços entre as instituições, além de poder comparar taxas e preços efetivamente praticados.
Fase 2
A fase 2, apelidada de dados cadastrais e transacionais, tem início previsto para 15 de julho de 2021 e prevê o compartilhamento dos dados dos clientes, sempre mediante autorização (consentimento) do próprio cliente.
A partir desta fase os clientes poderão iniciar o compartilhamento de seus dados entre instituições financeiras de sua escolha.
– Gestão de autorizações/consentimentos: O cliente será capaz de autorizar uma instituição financeira a acessar os seus dados. O cliente poderá consultar as autorizações que concedeu e, caso queira, poderá revogar autorizações a qualquer momento.
– Dados de cadastro do cliente: Aqui você poderá compartilhar os seus dados pessoais, como nome, idade, estado civil, nacionalidade, números de documentos, etc.
– Saldos e transações financeiras: Nesta opção você poderá compartilhar o saldo e o extrato bancário de suas contas, bem como o seu histórico de empréstimos.
É importante mencionar que as autorizações terão prazo de validade. Ou seja, de tempos em tempos, caso queira, você precisará renovar suas autorizações. Essa é uma característica importante, pois as instituições terão que pedir a renovação do consentimento aos clientes. Para isso, as instituições precisarão deixar claro para os clientes todos os benefícios obtidos através do compartilhamento de dados. Caso contrário, a renovação do consentimento será pouco provável.
Fase 3
A fase 3, que chamamos de serviços financeiros, tem início para 30 de agosto de 2021 e prevê o compartilhamento do serviço de iniciação de transação de pagamento e do serviço de encaminhamento de proposta de operação crédito entre instituições financeiras.
Nesta etapa você poderá autorizar (dar consentimento) instituições a iniciarem pagamentos em seu nome. Você também poderá autorizar correspondentes bancários a enviar propostas de crédito para a sua instituição de preferência.
Fase 4
A fase 4 trata de dados e serviços complementares às fases 2 e 3. Mais produtos financeiros serão integrados aos catálogo do Open Banking (como operações de câmbio, investimentos, seguros e previdência privada).
A fase 4 está prevista para entrar em vigor em 25 de dezembro de 2021. Dado o escopo proposto, outros reguladores devem participar das discussões e definições desta fase, como a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
E acaba na fase 4? Não. O Open Banking é uma iniciativa que deve se manter em constante evolução e a inclusão de novos produtos e serviços ocorrerá gradativamente, portanto, novas fases virão. Contudo, ainda não temos conteúdo e cronograma definidos para as próximas fases. Aliás, o próprio Roberto Campos, presidente do Banco Central do Brasil, declarou recentemente que pretende mudar o nome da iniciativa de Open Banking para Open Finance, pois aqui no Brasil essa iniciativa deve alcançar todos os serviços financeiros.
Alguns cenário de exemplo
Compartilhamento de dados
Suponha que um cliente da instituição financeira A utiliza o Internet Banking para consultar seu saldo e extrato. Suponha ainda que este mesmo cliente também tem uma conta na instituição financeira B e utiliza o aplicativo da instituição B para verificar seus empréstimos, pagamentos efetuados, saldo, extrato, etc.
Com o Open Banking, o cliente poderá compartilhar seus dados na instituição B enviando-os para a instituição A. Deste modo o cliente poderá verificar seus empréstimos, pagamentos efetuados, consultar o saldo e o extrato de das suas duas contas utilizando apenas o aplicativo da instituição A. Essa visualização consolidada será possível através do Open Banking.
Compartilhamento de serviços:
Imagine que um cliente está em uma loja virtual e deseja comprar um produto. O cliente simplesmente informará à loja que pretende pagar com a sua instituição financeira preferida. A loja virtual, no papel de iniciadora de pagamentos, enviará um pedido de pagamento para instituição indicada pelo cliente, informando os dados de identificação do cliente e os dados de pagamento. O cliente acessa o site ou aplicativo da sua instituição financeira, confere os dados da transação e, se tudo estiver correto, aprova o pagamento. Pronto.
O Open Banking vai pegar?
Essa resposta é fácil. Vai! Agora, se a pergunta for “O Open Banking terá impacto disruptivo no ecossistema financeiro?”, eu diria que essa é a pergunta do milhão. Ou melhor, do bilhão! É muito difícil prever e diversos fatores serão fundamentais para uma boa adesão a essa nova tecnologia, como por exemplo a simplicidade e facilidade de uso para você e os demais clientes, o baixo custo de operação para as instituições e a entrega de níveis de segurança adequados aos clientes e às instituições participantes.
Eu gosto de citar dois exemplos que julgo interessantes e ricos pela diversidade quando comparados, Reino Unido e Coréia do Sul.
No Reino Unido, primeiro país a adotar o Open Banking, a adesão é relativamente baixa. Para uma população de cerca de 66 milhões de habitantes, menos de 500 mil pessoas (0,8%) estão utilizando o Open Banking neste momento, ou seja, compartilharam seus dados bancários com outras instituições.
Por outro lado, na Coréia do Sul, é possível dizer que a adesão é bem alta. Para uma população de cerca de 51 milhões de habitantes, mais de 20 milhões pessoas (40%) aderiram ao Open Banking.
E no Brasil? Bem, eu diria que no Brasil o percentual de adesão será maior do que no Reino Unido e menor do que na Coréia do Sul. 🙂
O ecossistema tecnológico no sistema financeiro nacional é referência mundial há muito tempo, por isso estou certo de que as instituições não terão muitos problemas para entregar essa nova onda de inovação. Em contrapartida, o Brasil é um país onde cerca de 30% da população adulta é desbancarizada (não possui conta em instituição financeira), 40% da população adulta não possui um smartphone e o acesso a educação financeira ainda é escasso. Deste modo, penso que a adoção vai ser beneficiada e acelerada pela capacidade tecnológica das instituições financeiras, mas deve sofrer os impactos de um país em desenvolvimento. Veremos.
Uma coisa é certa, a competitividade será aguçada no ecossistema e isso deve levar a maior concorrência e melhores serviços. Você sairá ganhando, com serviços melhores e mais competitivos. As fintechs e as instituições pequenas e médias sairão ganhando, pois dentro do Open Banking estarão em pé de igualdade diante dos grandes bancos. E também os grandes bancos sairão ganhando, pois terão uma fatia percentualmente menor, porém de um bolo maior. Todos ganham com o Open Banking. E isso é muito bom.
Acho que é isso. Espero ter sido generoso o bastante e também ter contribuído, ainda que forma modesta, para um melhor entendimento do que é o Open Banking. Muito obrigado.
Olhando aqui o texto acredito que consegui escrever um pouco sobre Open Banking sem tocar nos aspectos mais técnicos como APIs, REST, JSON Web Tokens, OAuth 2.0, FAPI, HTTPS, Mutual TLS, chaves assimétricas, ergonomia de contratos, certificate pinning, Throttling e demais requisitos não-funcionais, etc. Esses pontos ficam para a próxima!
Sobre o autor:
Cristiano Gomes
https://www.linkedin.com/in/crgomes
Pai de duas meninas maravilhosas, tecnologista de coração, há mais de 15 anos trabalhando com diferentes verticais de negócios e tecnologias. Recentemente, liderou a Arquitetura Digital do Santander, destacando a definição da estratégia tecnológica, Arquitetura e desenvolvimento de APIs Open Banking. Agora atuando como Technology Principal na Thoughtworks
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