Antes de discutir o potencial do Metaverso para impactar o setor financeiro é preciso primeiro estabelecer uma compreensão básica do que é o Metaverso.
É importante notar que os mundos e espaços virtuais tão mencionados quando falamos do tema Metaverso, não são necessariamente uma novidade. Empresas como Decentraland, The Sandbox e Roblox (RBLX) operam espaços de realidade virtual há anos e que juntas estas empresas atraem milhões de usuários.
A empresa Microsoft em seu evento Microsoft Ignite – November 2021, apresentou uma definição muito interessante do que é Metaverso.
“Metaverso é um ambiente digital habitado por representações digitais de pessoas e coisas. Pense nele como uma nova versão, ou talvez uma nova visão da internet.
Muitas pessoas falam sobre a internet como um lugar. Agora podemos entrar ativamente nesse lugar para nos comunicar, compartilhar e trabalhar com outras pessoas. é uma internet com a qual você pode interagir – como fazemos no mundo físico”.
O Metaverso pode ser entendido como uma forma inovadora para as pessoas interagirem com estes novos ambientes digitais através do uso de tecnologias emergentes, incluindo, mas sem se limitar à realidade virtual (VR) e a realidade aumentada (AR). Esses conceitos, que estão em contínua evolução, levaram à criação de uma nova economia digital, hoje batizada como Metaverso, onde bens podem ser criados e adquiridos virtualmente.
A economia do metaverso registrou mais de US$ 20 bilhões em vendas no varejo em 2020 e as transações que acontecem nesse universo, normalmente baseadas em criptomoedas e stablecoins (ou moedas estáveis e lastreadas em ativos de baixíssima volatilidade) estão crescendo cerca de 40% ao ano. Embora muitas dessas transações estejam associados a itens de arte e moda, eventos e imóveis (ou terrenos) virtuais, normalmente representados como tokens não fungíveis (NFTs ou non-fungible tokens), este parece ser apenas o começo do uso crescente de ativos digitais associados a esta nova economia. Quanto mais as pessoas se habituarem a utilizar ativos digitais no ambiente metaverso, mais será comum a expansão de atividades tais como: enviar dinheiro diretamente entre amigos ou mesmo pagar por bens físicos dentro destes ambientes virtuais.
Avanço dos criptoativos, da Web 3.0 e das finanças descentralizadas
Três grandes forças impulsionam o avanço das discussões sobre o Metaverso, são elas: os Criptoativos (o que inclui as criptomoedas), a Web 3.0 e as finanças descentralizadas (do termo em inglês Defi ou Decentralized Finance).
A explosão do uso de criptomoedas não apenas como reserva de valor, mas também em operações de pagamentos no varejo, inclusive no metaverso, é uma das forças que impulsionam as discussões sobre o tema. Apesar de acompanharmos um crescimento sem precedentes de utilização e de valor de mercado em 2021, as criptomoedas ainda permanecem como ativos voláteis e, na maioria das vezes, desconectadas do ecossistema financeiro tradicional. Acredita-se que o metaverso possa estimular mudanças de rumo neste mercado de criptoativos.
Segundo a plataforma Coin Maket Cap, no artigo What Is Web 3.0? | Alexandria (coinmarketcap.com), “A Web 3.0 é a próxima terceira geração da Internet, na qual sites e aplicativos poderão processar informações de maneira inteligente e humana por meio de tecnologias como aprendizado de máquina (ML), Big Data, tecnologia de contabilidade descentralizada (DLT), etc. Web 3.0 foi originalmente chamada de Web Semântica pelo inventor da World Wide Web, Tim Berners-Lee, e tinha como objetivo ser uma Internet mais autônoma, inteligente e aberta.
A definição da Web 3.0 pode ser expandida da seguinte forma: os dados serão interconectados de forma descentralizada, o que seria um grande avanço para nossa atual geração de internet (Web 2.0), onde os dados são armazenados principalmente em repositórios centralizados.”
A Web 3.0 tem o potencial impactar o mundo das Finanças, principalmente através do avanço do fenômeno que chamamos de finanças descentralizadas ou DeFi (Decentralized Finance). No modelo DeFi os usuários finais e consumidores realizam transações financeiras diretamente entre si (P2P ou peer-to-peer) utilizando contratos inteligentes ou Smart Contracts, executados em plataformas construídas sobre tecnologia de Blockchain e descentralizadas, ou seja, sem a necessidade de intermediários financeiros. É uma abordagem fundamentalmente diferente para a infraestrutura financeira, em comparação aos sistemas centralizados que estamos habituados a utilizar no nosso dia a dia.
DeFi já é uma realidade crescente, mas ainda muito jovem. Os tokens de criptografia utilizados nestas plataformas são negociados (comprados e vendidos) através de exchanges descentralizadas (ou Dex, Descentralized Exchanges), sem a necessidade de intermediários para liquidar e registrar as negociações. Ao substituir intermediários e contrapartes centrais, essas redes criptográficas abertas tem o potencial de reduzir custos financeiros, porém não estão isentas de riscos e vulnerabilidades. Essas redes ainda precisam evoluir muito em termos padrões de governança, resiliência e segurança.
Com todos estes movimentos avançando em paralelo é natural que as instituições financeiras comecem a se interessar pelo asssunto, a se preparar e planejar como integrar tais elementos em seus modelos de negócio de forma a evitar o risco de ficarem de fora caso estas novas tendências ganham relevância econômica.
Aplicações práticas em serviços financeiros
Tem havido muito debate em torno das implicações do Metaverse nos mais vários setores da economia. Embora originalmente pensado para áreas tais como jogos e mídias sociais, as tecnologias do Metaverso também encontraram aplicações práticas em setores mais tradicionais, como o financeiro.
Entre as aplicações práticas estão sua capacidade de criar ambientes virtuais e de realidade mista (MR ou Mixed Reality) na qual as pessoas e grupos possam se conectar, interagir e colaborar. Como exemplo, o emprego de VR (Virtual Reality) e AR (Augmented Reality) durante o período de distanciamento social promovido pela pandemia do COVID-19 e as novas condições de trabalho remoto e híbrido permitiram uma maior colaboração em teleconferências, onde os profissionais usaram novos recursos interativos tais como anotações, compartilhamento de tela, equipes de trabalho e bate-papo, permitindo que estes times e grupos trabalhassem com mais eficiência, sem compartilhar o mesmo espaço físico.
Os ambientes virtuais no Metaverso também podem ser usados para orientar os consumidores e oferecer suporte remoto. A criação de ambientes de compras digitais no Metaverso pode funcionar como um instumento para as empresas atinjam um grupo maior de consumidores, além de permitir uma maior exposição da marca. Esses centros de compras virtuais podem empregar meios de pagamentos e novas experiências digitais para que as transações ocorram inteiramente dentro do ambiente virtual. Com a progressão do Metaverso em finanças e no setor bancário, novos desenvolvimentos podem resultar na criação de agências bancárias totalmente digitais, diminuindo ainda mais a dependência de agências físicas.
Uma das principais características e atrativos do uso de VR ou AR, em qualquer um dos cenários apresentados acima, é a capacidade de sobrepor uma gama ainda maior de informações para os usuários, digitalmente expostas em experiências completamente imersivas, e que dispositivos móveis e telas de computador atuais não podem acomodar. Outro cenário valioso do Metaverso, reside na capacidade de integrar pontos de contato humanos através do canal digital. Ao auxiliar a criação de novas formas de interação humana, o consumidor potencialmente estará mais disposto a utilizar o ambiente Metaverso em novos cenários, como exemplo, uma consultoria financeira remota.
O setor de jogos é outro tem ganho muito destaque quando o assunto é metaverso. O GameFi é uma nova frase cunhada para o espaço de jogos blockchain que mesclam os termos jogos e finanças. Apenas como referências, a empresa de investimentos Grayscale, por exemplo, estima que a receita global somente de jogos virtuais pode ultrapassar US$ 400 bilhões até 2025, dos US$ 180 bilhões atuais, um aumento de 122%.
Antes de tudo, serão as marcas bem estabelecidas dos bancos e instituições financeiras e suas grandes bases de clientes que os ajudarão a orientá-los na transição para a nova economia do Metaverso. Os bancos têm a seu favor a base de clientes, a confiança e o reconhecimento da marca. Há, portanto, um enorme potencial para eles aproveitem o crescente interesse de seus clientes no Metaverso, nos cenários potenciais de utilização de criptoativos e no avanço da Web 3.0. Um exemplo interessante é do DBS Bank que criou um Exchange Digital para tokenização e negociação de ativos digitais, incluindo criptomoedas para investidores institucionais.
À medida que o metaverso e suas opções de compras e serviços digitais se expandem, também aumenta a necessidade de novas plataformas digitais preparadas para processar esses novos tipos de transações financeiras, e que conectam o mundo físico ao virtual. Além de fornecer plataformas que podem, por exemplo, ser utilizadas para simplificar pagamentos no metaverso, as instituições financeiras ainda precisarão explorar maneiras de aumentar sua presença e melhorar a comunicação com seus clientes. O atendimento e a comunicação com clientes deverão evoluir, quando apropriado, para alavancar o uso de tecnologias e de dispositivos físicos de AR e VR, ao permitir, por exemplo que os clientes realizem transações bancárias e financeiras em qualquer lugar e de uma maneira muito mais imersiva do que hoje é possível através de seu aplicativo do smartphone.
Open Finance
O Open Finance, ou Sistema financeiro aberto, colocou o cliente no centro e no controle de seus dados, através do compartilhamento padronizado de dados de produtos, serviços e informações financeiras dos clientes, pelas instituições financeiras autorizadas à funcionar pelo Banco Central do Brasil. Com o Open Finance espera-se a entrega de produtos e serviços financeiros mais personalizados para os consumidores, com maior agilidade, conveniência, segurança e promovendo maior inclusão financeira.
O avanço do Metaverso deverá estimular o debate sobre como desenvolver um sistema financeiro ainda mais inclusivo. Como se dará a conexão entre o sistema aberto e um sistema potencialmente fechado no Metaverso. Os sistemas Metaverso deverão se tornar plataformas abertas e interoperáveis? Haverá um Metaverso ou vários dominantes ao mesmo tempo? Será esperado que as instituições financeiras trabalhem e colaborem para oferecer uma gama mais ampla de serviços para os consumidores, habilitados pelo Metaverso. Sem dúvida, o tema merece amplo debate e poderá promover e acelerar com mudanças na indústria financeira e porque não, futuras mudanças regulatórias.
Há uma oportunidade interessante para que o setor financeiro avance com novos modelos de plataformas abertas (ou Open Finance) ao abrir APIs bancárias e permitir, por exemplo, que seus usuários conectem suas contas bancárias e aplicativos financeiros a novas experiências de pagamentos imersas no ambiente Metaverso. Oportunidade interessante para alavancar o uso das plataformas abertas ou Open Finance, ao conectar e viabilizar o compartilhamento de dados de clientes, geração de insights personalizados, assim como a oferta de serviços de iniciação de pagamentos, com total segurança, privacidade de dados e com o consentimento do usuário final.
O futuro com o Metaverso
É esperado que a monetização e os investimentos no Metaverso cresçam substancialmente nos próximos anos, criando novas experiências virtuais acessíveis apenas pelo ambiente virtual ou ciberespaço. Esse movimento tem o potencial de impulsionar novos modelos de negócio, novas formas de realizar investimentos, obter retornos financeiros e se relacionar com os serviços financeiros pelo consumidor, quem sabe até levar à criação de novos tipos de empregos no Metaverso, moldando o setor financeiro como um todo.
É verdade que ainda existem muitas incógnitas sobre o tema de Metaverso e tentar prever exatamente como será o dia a dia com ele, como isso nos afetará como consumidores de serviços financeiros, assim como antecipar o impacto do avanço dos criptoativos e da Web 3.0 é muito difícil. Para as instituições financeiras, a chave não será apenas esperar por uma possível futura regulamentação, mas fundamentalmente explorar suas fortalezas, alavancar o relacionamento com o consumidor final, o reconhecimento e a confiança de suas marcas, de forma a se adaptar mais rapidamente para este novo ambiente de negócios que desponta no horizonte.
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